domingo, 15 de dezembro de 2013

Itã: Iemanjá enlouquece Oxalá e depois o cura.

   Olodumaré fez o mundo e repartiu entre os orixás vários poderes, dando a cada um deles um reino para cuidar. A Exu deu o poder da comunicação e a posse das encruzilhadas. A Ogum, o poder de forjar utensílios para a agricultura e o domínio de todos os caminhos. A Oxóssi, o poder sobre a caça e a fartura. AObaluaiê, o poder de controlar as doenças. Oxumaré, seria o arco-íris, embelezaria a Terra e comandaria a chuva, trazendo sorte aos agricultores. Xangô recebeu o poder sobre a justiça e sobre os trovões. Oyá reinaria sobre os mortos e teria poder sobre os raios. Euá controlaria a subida dos mortos para o orum, bem como reinaria sobre os cemitérios. Oxum seria a divindade da beleza, da fertilidade das mulheres e de todas as riquezas materiais da Terra, bem como teria o poder de reinar sobre os sentimentos de amor e ódio. Nanã recebeu a dádiva, por sua idade avançada, de ser a pura sabedoria dos mais velhos, além de ser o final de todos os mortais, nas profundezas da terra, onde os corpos dos mortos seriam por ela recebidos. Além disso, do seu reino sairia a lama da qual Oxalá modelaria os mortais, pois Odudua já havia criado o mundo. Todo o processo de criação completou-se com o poder de Oxaguiã, que inventou a cultura material.

   Para Iemanjá, Olodumaré destinou os cuidados da casa de Oxalá, assim como a criação dos filhos e de todos os afazeres domésticos.


   Iemanjá trabalhava e reclamava de sua condição de menos favorecida, pois, afinal, todas as outras divindades recebiam oferendas e homenagens enquanto ela vivia como escrava.


   Durante muito tempo Iemanjá reclamou dessa condição e tanto falou, tanto falou nos ouvidos de Oxalá, que ele enlouqueceu. O ori (orí, cabeça) de Oxalá não suportou os reclamos de Iemanjá.


   Caindo Oxalá enfermo, Iemanjá deu-se conta do mal que fizera ao marido e tratou de curá-lo imediatamente, arrependida e temerosa. Em poucos dias, utilizando-se de banha vegetal (òrí), de água fresca (omí-tutù), de obì (fruta conhecida como noz-de-cola), pombos brancos (eyelé-funfun), frutas deliciosas (esò) e doces (adún), curou Oxalá.


   Oxalá, agradecido, foi a Olodumaré pedir para que atribuísse a Iemanjá, o poder de cuidar de todas as cabeças. Desde então Iemanjá recebe oferendas e é homenageada quando se faz o bori (borí, ritual propiciatório à cabeça) e demais ritos à cabeça.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Itã: Iemanjá trai seu marido Ogum.

   Iemanjá era casada com Ogum. Ele era um negro forte, brutal, irascível, dono de muitos cães. De tanto sofrer maus-tratos por parte do marido, Iemanjá não tardou trair Ogum, enamorando-se de Aiê, a Terra.

   Um dia, um dos cães de Ogum farejou o caminho de Iemanjá encontrando-a nos braços do amante. O cão, fiel a seu dono, não tardou em levar Ogum ao local onde se encontravam os amantes.

   Atônito e irado pela descoberta da traição, Ogum incitou o cão sobre Iemanjá, que assim foi violentamente ferida por ele. Ogum vingou-se de Iemanjá, desde esse dia, ela tem horror a cães.

Itã: O presente de Iemanjá a Olodumaré.

   Um dia houve uma reunião de todas as divindades com Olodumaré. Iemanjá estava em sua casa sacrificando um carneiro, quando Exu chegou para comunicar-lhe sobre a realização da tal reunião.

   Apressada, com medo de atrasar-se, e sem ter outra coisa para levar como presente a Oludamaré, Iemanjá levou como oferenda ao deus supremo, a cabeça do carneiro que havia sacrificado.

   Ao ver que somente Iemanjá trazia-lhe um presente, Olodumaré disse: Awoyó ori dori re (Cabeça trazes, cabeça serás). desde então Iemanjá toma conta de todas as cabeças que pensam.

As Grandes Festas Públicas de Iemanjá.

   Para prestar homenagens a Iemanjá, em muitas cidades da costa brasileira, uma multidão de pessoas, em certas datas, dirige-se anualmente à beira-mar num espetáculo de fé na grande mãe africana, afirmando a cada encontro a importância do orixá no conjunto de tantas outras santas e grandes mães que povoam o imaginário popular brasileiro.

   Desde que Iemanjá assumiu no Brasil o reino das águas salgadas, transformando-se na padroeira da pesca e protetora dos pescadores, iniciou-se seu culto no mar. Vale lembrar que os adeptos do candomblé, religião que mantém estreito contato com a natureza, costumam levar presentes e oferendas a cada orixá no seu “meio natural”. Assim, presentes a Exu são depositados nas encruzilhadas; a Oxum, nos rios, fontes e cachoeiras; a Oxóssi e Ossaim, no mato; a Xangô, nunca pedreira; a Ogum, na estrada, especialmente a estrada de ferro, que contém o elemento caminho e o elemento ferro; a Iemanjá, evidentemente, na praia e no mar.

   Hoje em dia, seguindo o calendário católico, que marca dias comemorativos de Nossa Senhora, as festas de Iemanjá ocupam as praias brasileiras, em datas diferentes, pois em cada região Iemanjá foi sincretizada com uma diferente invocação de Nossa Senhora, geralmente aquela mais cultuada.
A festa do Rio Vermelho em Salvador, a 2 de fevereiro, é a mais antiga festa documentada, já referida por Nina Rodrigues em 1896, quando descreve o presente de Iemanjá sendo levado às águas na praia do Rio Vermelho e no dique do Tororó pelas filhas-de-santo, negras e mulatas, em pequenos barcos de pescadores, em ruidosa procissão (Rodrigues, 1935:52-53). Em Salvador, a festa de Iemanjá faz parte de um ciclo de “festas de largo”, celebrações públicas, marcados pelo entrecruzamento de tradições católicas e africanas, em que os ritos do catolicismo misturam-se com os dos terreiros, com muita música, dança, bebida e comida. Sempre com muita gente na rua. A festa de Iemanjá encerra um ciclo de festas em Salvador, que se inicia em 4 de dezembro com a festa de Santa Bárbara (Iansã). Após a festa de Iansã, os baianos realizam em 8 de dezembro a festa em louvor a Nossa Senhora da Conceição da Praia, sincretizada com o orixá Oxum. Na terceira quinta-feira do mês de janeiro ocorre a festa da lavagem do Bonfim, que juntamente com a festa de Iemanjá, é uma das mais importantes festas religiosas da Bahia.

   Sobre o presente de Iemanjá, assim nos conta Edison Carneiro, em seu livro Candomblés da Bahia, cuja primeira edição é de 1948:

“é o orixá mais poderoso ‘do fundo do Calunga’ (o mar) e é no mar, e em geral nas águas, que se exerce o
seu culto. Os devotos lhe dão presentes, embrulhos, cestos ou vasos contendo flores, pó-de-arroz, pentes, sabonetes, vidros de perfume, espelhos, laços de fita, etc., que levam para um lugar bem fundo do mar ou para onde as águas se encontrem. Se não afundar, o presente não será aceito. Destas homenagens, em toda a baía de Todos os Santos, participam brancos, mulatos e negros, pescadores, marinheiros, carregadores dos portos, artífices, homens do povo.”

No Recife, quando se oferece o presente no dia de Nossa Senhora da Conceição, em 8 de dezembro, as comemorações também são antigas e festivas, falando alguns autores da data correspondente à festa de Nossa Senhora do Carmo em outros tempos. Sobre a comemoração nos 50 anos, Waldemar Valente escreveu:

“Iemanjá em Pernambuco é considerada como a “mãe d’água” e recebe, como na Bahia, o seu presente, numa procissão anual. Geralmente, o presente é guardado e conduzido dentro de grande panela de barro e consta de comida – a comida de sua preferência -, pulseiras, colares, broches, contas, vidros de perfume e até dinheiro. A chamada “panela de Iemanjá” é embrulhada com papel azul e amarrada com fita da mesma cor.”

“a procissão marinha, constituída de pequenas lanchas, faz-se principalmente por iniciativa de Lídia Alves da Silva, uma das mães-de-santo mais conhecidas e conceituadas no Recife. E arrasta muita gente. Gente de outros xangôs. Gente pobre e crédula, que não pertence à religião dos terreiros, mas que oferece à deusa do mar seu presentinho, uma caixa de sabonetes ou de pó-de-arroz, na esperança de conseguir a realização de seus desejos, às vezes tão modestos. Gente ainda de escalas sociais mais altas, o próprio grã-finismo, e que não consegue vencer velhas influências místicas, reúne-se à peregrinação do fetichismo negro, que também é ameríndio e europeu, e vai em busca do mar, para levar a Iemanjá as suas ricas oferendas, e em troca fazer algum pedido. O cortejo de lanchas atravessa a barra e lá, muito longe, onde deve estar a deusa do mar, realiza-se a cerimônia de oferendas. Velas, flores, presentes, ornamentação, tudo confere aos barcos um ar festivo e bonito. Os que não podem participar da procissão em lancha ficam mesmo no cais ou nas praias.”  

   Devido sobretudo à expansão da umbanda, as festas de Iemanjá nas praias hoje acontecem ao longo de toda a costa brasileira, assim como em cidades litorâneas do Uruguai e da Argentina. Nestas cidades vamos encontrar alguma estátua de Iemanjá erguida por   e/ou do poder público municipal. Há estátuas que seguem a forma de Iemanjá-Sereia, como aquelas encontradas em diversos pontos de Salvador, ou Iemanjá da umbanda: uma mulher branca, de longos cabelos lisos e roupa azul. Mesmo quando não há mar por perto, a festa de Iemanjá pode ser celebrada, com estátua e tudo, como ocorre em Brasília junto ao lago Paranoá.
iniciativa de federações de umbanda e candomblé

   No Rio Grande do Sul, especialmente nas praias de Cidreira e Tramandaí, litoral norte do estado, a festa também se faz em 2 de fevereiro, quando se comemora regionalmente Nossa Senhora dos Navegantes, dia feriado em Porto Alegre e outras cidades gaúchas.

   Além das festas de 2 de fevereiro e 8 de dezembro, e outras datas regionais, Iemanjá é louvada numa grande festa à beira-mar na passagem do ano, em 31 de dezembro, com milhares e milhares de pessoas, sempre vestidas de branco, sejam elas devotas ou não das religiões afro-brasileiras, levando velas, flores, perfumes, comidas e fogos de artifício para a grande mãe, confundindo-se a celebração de Iemanjá com o próprio Réveillon.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Oxaguiã.



   Senhor dos contrastes, poderoso estrategista e astucioso, Oxaguiã (Òrisà Ogiyán) é o guerreiro jovem da família dos orixás funfuns. É saudado como Eleejigbô (Eléèjígbò), o “senhor de Ejigbô”, na cidade de mesmo nome, na Nigéria. No Brasil possui diversos codinomes, muitos que são utilizados para apaziguá-lo: Orixá Oguiã, Oxalaguiã, Oxaguim, Xaguim, Oxodim. São vários nomes para um grande guerreiro!


   Filho de Oxalufon, o senhor da cidade de Ifon, é tratado como o mais novo dos orixás do panteão do branco, mas isto não o transforma em um jovem! Nenhuma divindade integrante deste grupo é considerada jovial, porque são pertencentes à época da criação, o que os torno possuidores de idade imemorial. Oxaguiã só é menos ancião que seu pai! É um orixá que possui grande fundamento e enredo espiritual, e que se torna perigoso para o observador inexperiente, pois mostra suas duas faces: a da paz e a da guerra. Cabe ao babalorixá descobrir e decifrar o que a divindade está mostrando. Além disso, Oxaguiã é um grande dissimulador, que gosta também de provocar conflitos, enganar e testar! Para a iniciação de seus filhos todo cuidado e saber são poucos, porque sua “feitura” necessita de cuidados muito especiais, em que tudo obedece a horários e momentos estipulados! Nunca é bom esquecer que Orixalá é o orixá do imobilismo, da placidez e da quietude, mas que Oxaguiã, dentre os do panteão funfun, é quem traz a agitação, o vigor, a energia e, até mesmo, um certo desequilíbrio geral! 

   Patrono da instabilidade, é também quem permite a mobilidade, dois pólos necessários para a produção do dinamismo, elemento que transforma e proporciona evolução ao dia-a-dia da espécie humana. Como o “senhor da instabilidade”, é quem provoca os delírios e o desequilíbrio emocional, mas é também aquele que os controla! Numa contradição perfeita, produz a estabilidade e o equilíbrio, mas transforma-se no ponto fixo de um pêndulo quando promove a desordem e a desarmonia. As pessoas com problemas de saúde a ele recorrem para que intervenha e faça a vida prevalecer sobre a morte, porque ele transita nestes dois campos. Esta sua ligação vida/morte é comprovada no uso de suas cores: o branco, elemento símbolo do ar, da vida, produto do orum, e o azul (o seguí), representando o preto da terra, elemento do aiê.

   Poderoso estrategista nas batalhas, tenta a todo custo evitar o confronto direto, preferindo recorrer primeiro a subterfúgios que promovam a paz. Foi Oxaguiã quem trouxe para o homem o ensinamento da pacificidade, da disciplina, da hierarquia e do respeito e, por isso, gosta de mostrar a guerra e a paz, para que o ser humano possa fazer sua escolha. Como podemos ver, Oxaguiã é um orixá dúbio: que vai à guerra, mas que tenta promover a paz; provoca derrotas, mas é quem traz vitórias e equilíbrio; ama demais a vida e, através desta, consegue driblar a morte. Ele não guerreia pelo sabor da destruição, sua guerra é direcionada para o lado humano; luta pela justiça, pela moral, pelo bem estar da comunidade, provocando promover a paz e a união.


   Patrono da observação, da leitura e da inteligência, é o “senhor da materialidade”, quando proporciona ao homem a condição de colocar em prática seus pensamentos e suas idéias. E permite que o ser humano invente, construa e produza sempre novos objetivos, levando a vida para novos rumos e construindo novos conceitos. Seguindo seu pensamento inventivo e inovador, Oxaguiã tornou-se o “proprietário dos assentos”, e domina todos os bancos, cadeiras e tronos que propiciam um descanso ao corpo humano, pois para este orixá a felicidade do homem é fundamental! Ele proporciona também aos orixás e, principalmente , a Orixalá, o trono onde estes se sentam! Muito elegante no trajar, é também conceituado como o “orixá dos adornos e dos ornamentos requintados”, que produzem a beleza e a graça com simplicidade!


   Possui ligação com inúmeros orixás, alguns deles muito perigosos, e outros detentores de grande poder e axé. Sendo o único orixá funfun com o poder do movimento e da agilidade, é ele que promove a comunicação entre todos os orixás deste panteão; destes com os demais orixás; e também de todos os orixás com os homens.


   Relaciona-se muito intimamente com Exu, o comunicador e mensageiro. Desta união surge a função de promover a harmonia entre os poderes femininos e masculinos, produzindo o equilíbrio entre as ajés e o oxôs, seres interligados com os poderes mágicos da floresta e das águas. Oxaguiã, como partícipe do grupo dos oxôs, se aproxima de Oxum, reinando ambos como dignos representantes destas duas sociedades poderosas, juntamente com Oxóssi e Logunedé. Nesta sua relação com a floresta e com o panteão do branco, liga-se com as árvores e com os iwíns, seres divinos de Orixalá que nelas habitam e que tem incutidos em si a síntese da descendência. Oxaguiã também relaciona-se com Iroko, a divindade do branco residente na floresta e representante mais importante das grandes árvores, e com Logunedé, o senhor da magia. Estes lhe proporcionam o equilíbrio de seu vigor e de sua brutalidade, porque junto lhe ensinam como utilizar a persuasão, junto com a força e o poder, no auge de uma contenda.


   Chamando de “senhor dos inhames novos”, este tubérculo é para ele tão ou mais poderoso e energizante do que o azeite-de-dendê é para Exu. Depois de pilado, o inhame (isù) recebe o nome de iyán, de onde advém seu epíteto, Òrìsàjìyán, ou Orixaguiã, “orixá comedor de inhame pilado”. É um alimento divino e litúrgico, que produz sua principal refeição, o alaguiã, bolas feitas com a massa pilada do inhame e preparadas com sérios preceitos. Com seu poder inventivo e para ajudar na preparação deste alimento, Oxaguiã criou o pilão (ojó odó) e a mão-de-pilão, que se tornaram seu emblema e proporcionaram-lhe outro título, o de “senhor do pilão”. Este utensílio, dentro da religião, também pertence a Xangô, o orixá patrono dos elementos fabricados com a madeira.


   Muito ligado ao cultivo, Oxaguiã é um dos orixás da fartura e da opulência, e se relaciona com Oxóssi, a divindade provedora dos alimentos. Entre eles existe uma relação familiar, porque o mais importante integrante desde panteão, Ajagunã, juntamente com Iemanjá, são considerados , pelos itans, como os pais de Erinlé, poderoso participante do grupo dos caçadores. Oxaguiã tem grande apego e profundo amor por este odé, chamado de “caçador de elefantes brancos”, no que é plenamente correspondido. Pai e filho são igualmente parceiros no  grupo dos oxôs. Com Ogum, agricultor e guerreiro modelador dos metais, Oxaguiã surge como irmão e ajudante na evolução da tecnologia. Esta união ajuda na produção de novas armas e ferramentas, pois são inovadores nas criações e remodelações. Ogum forneceu a ele as armas, e também lhe ensinou como usá-las em sua defesa, nas guerras. A ligação destes dois é tão grande que Oxaguiã não aceita que seus filhos se indisponham, enganem ou traiam os filhos deste orixá, porque Ogum poderá castigá-los! Ele sabe que apesar de ser um guerreiro, o título de “senhor da guerra” é de Ogum. Guerreiro como Ogum, Oxaguiã é também o “assiwaju dos orixás funfun”, aquele que abre os caminhos para as divindades do branco no cortejo!


   Uma iyabá que usufrui de sua companhia e de suas mesmas habilidades é Obá, guerreira que como ele faz o uso do escudo e da espada, e que, como caçadora, utiliza-se também do ofá. Por terem em comum a beligerância, as contendas e as divergências, ambos se respeitam.


   Embora Obá não aceite parceiros para sua vida afetiva, aprecia se ligar a companheiros que a acompanhem e a estimulem nos confrontos guerreiros. Pela sua necessidade de proteção e do uso da camuflagem em suas batalhas, Oxaguiã também se intercomunica com Iewá, vodum da nação fon que tem o dom da dissimulação e do disfarce. Ambos podem ser responsáveis pela união dos dois panteões, o fon e o ioruba, o que lhes permite interagir, sem haver sobreposições. Oiá, a senhora dos antepassados, forneceu a Oxaguiã o atorí, a vara de madeira resistente que representa o poder e autoridade, e que serve para comando e controle da ancestralidade. Esta vara é seu símbolo, sendo utilizada também como objeto de ataque ou de defesa.


   Chamado de Babalaxó (babalasó), “o senhor do axó”, é o responsável pelas roupas que protegem e agasalham o corpo do ser humano, interligando-se com Babá Rowu, o “senhor do algodão”, e com Iemanjá Sobá, a fiadeira do algodão (owu), que o abastece deste elemento. É com este tipo de tecido que é feito o alá que cobre e protege Orixalá e os demais orixás funfuns.


   Uma velha divindade que se relaciona amigavelmente com Oxaguiã, pertence ao seu grupo, é Babá Okô, o “patrono da agricultura” e “senhor das terras cultivadas”, responsável pela alimentação do planeta. Orixá Okô é a própria energia cultivadora, que sabe como fazer nascer e crescer as coisas na natureza, e que ensina como cultivar novas vidas na terra. É auxiliado pelos insetos e pelos pássaros, que carregam novas vidas em suas patas, pelos seres microscópicos que fazem uma constante renovação da terra e também pelas fezes dos animais, um fertilizante natural. E é ajudado pela chuva, que regenera sua terra!


   Na nação bantu existe um inquice assemelhado a Oxaguiã, com o nome de Lemba-Dilê, também um guerreiro jovem, que se veste de branco e portador da espada e do escudo. Seu símbolo é o barco, sendo chamado de “o guerreiro navegante” ou “o regente das águas”.


   Oxaguiã representa o nascer do dia, simbolizando o primeiro raio de Sol que esquenta a terra fria da madrugada! Ele é a claridade vencendo e cortando a escuridão da noite, “acordando” o dia e ajudando o homem a criar um novo ciclo de vida. O filho-príncipe que protege o rei e que usa a espada para resguardar o opá! 


Generalidades do orixá:


Como são chamados seus filhos: olissassi, oxalassi.


Dia da semana: sexta-feira.


Elementos: água, terra e ar.


Símbolos: pilão, mão-de-pilão, alfange, espada, escudo.


Metais: prata, chumbo, estanho, ferro.


Cores: branco e azul-claro.


Folhas: cana-do-brejo, manjericão, do cafeeiro, alecrim e boldo.


Saudação: Epi Epi Babá! Xeueu, Babá!


Seus filhos:


   Os filhos de Oxaguiã são pessoas longilíneas, de porte viril e elegante, atrevidas e maliciosas. Sensuais, costumam ser volúveis até se fixarem em um (a) parceiro (a). Não se mostram inteiramente, omitindo certas características e particularidades. Sua verdadeira personalidade é escondida até mesmo dos seus mais próximos. Trabalhadores, organizados e lutadores, são ótimos estrategistas e bons parceiros, tanto na vida pessoal e amorosa, como nas amizades. Em certos momentos tentam impor suas vontades, até mesmo sem sentir. Parece que eles controlam o mundo!


   Conseguem galgar posições superiores, sem permitir que o poder lhes deixe deslumbrados, preferindo trabalhar a comandar. Se privilegiados pela sorte, são generosos e esbanjadores, sem muita preocupação com o futuro. Independentes e irrequietos, mostram-se carentes e necessitados de atenção, mas procuram abster-se disso ao sentirem que sua liberdade poderá ser tolhida. Se sua vida não vai bem, ficam irritados, ressentidos, desanimados, mas, de repente, a sorte muda e surge alguém para lhes impulsionar e dar novo ânimo. Como se o Sol surgisse detrás das nuvens e clareasse sua vida!


   Pessoas alegres, extrovertidas e felizes, gostam de lugares movimentados, de festas, de música, preferindo o dia e as manhãs claras e ensolaradas. Bons anfitriões, deixam as pessoas impressionadas com seu modo de ver a vida, com sua liberdade e descontração. Delicados e bondosos, sabem fazer e conservar amigos, sofrendo por eles e desdobrando-se para agradá-los, se tiverem reciprocidade. Mas são inimigos perigosos e traiçoeiros, difíceis de ser controlados, capazes de atos impensáveis. Quando a raiva passa, tudo fica encoberto, porém, nunca esquecido. Mas não costumam levar adiante seu desejo de vingança, porque sabem que terão que responder perante seu próprio orixá por aquilo que fizerem!


   Devido à sua liderança natural, as pessoas que os rodeiam, por vezes, sentem-se ameaçadas pela sua presença. Possuem um espírito brilhante e seu lado intelectual é bem desenvolvido, evoluindo cada vez mais pela vontade que têm de aprender e de se aprimorar. Possuem o dom da palavra e grande compreensão das coisas a seu redor. Impulsivos, gostam de desafios, saindo geralmente vencedores, pois competem com garra e determinação. Grandes defensores dos injustiçados e dos incompreendidos, procuram estar sempre em defesa da verdade, através da argumentação. Às vezes se mostram agressivos e brutos no trato com as pessoas, pois não sabem utilizar muito bem sutilezas e artimanhas, mas são apaziguadores e delicados ao extremo.


   Uma coisa é certa para os filhos de Oxaguiã: embora sejam guerreiros, não procuram confusões ou brigas, e não costumam ser agressivos! Axé!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Documentário: Mensageiro entre dois mundos - Pierre Verger.

Pierre Verger: Mensageiro entre Dois Mundos traz um importante trabalho de pesquisa realizado pelo diretor Lula Buarque e o roteirista Marcos Bernstein (Central do Brasil), que estiveram na África, na França e na Bahia em busca da trajetória do fotógrafo e etnógrafo francês Pierre Verger.

Gilberto Gil é quem narra e apresenta Verger: Mensageiro entre Dois Mundos. O filme traz a última entrevista de Pierre Verger (filmada um dia antes de seu falecimento, em 11 de fevereiro de 1996), além de extenso material fotográfico, textos produzidos por Verger e depoimentos de amigos como o documentarista Jean Rouche (Musée de l'Homme, Paris), Jorge Amado, Zélia Gattai, Mãe Stella, Pai Agenor e o historiador Cid Teixeira.

A tão famosa ponte criada por Verger entre a cultura negra na Bahia e na África, rompida desde os anos 40, é reestabelecida no filme quando Gilberto Gil refaz o papel de Mensageiro e percorre os mesmos caminhos do fotógrafo.

Outra descoberta de Verger apresentada no filme, são os descendentes da única colonização feita por brasileiros: os "Agouda", africanos, habitantes do Benin e da Nigéria, que ainda hoje cultivam influências brasileiras trazidas por ex-escravos que retornaram do Brasil ao continente africano.

Documentário: Devoção.

Do mesmo diretor de Soldado de Deus (2004), o documentário questiona o mito do sincretismo religioso no Brasil. Relativiza esse conceito polêmico e enfatiza a fé, manifestada em um ou em outro sistema de crença, com freqüência em ambos. O documentário traz depoimentos de pesquisadores, autoridades do candomblé, freis e devotos do catolicismo, que apresentam um painel dos pontos principais de cada uma das religiões apresentadas.

Documentário: Candomblé: Paz e Fraternidade.

Dirigido por: Mirella Lima. Colocando em pauta o Candomblé, o vídeo pretende esclarecer e minimizar o preconceito em torno dessa religião.

Quartinha.

   Há uma frase antiga que descreve bem como se tem que ter cuidado com as quartinhas... “O bom yawo não deixa a agua de sua quartinha secar” Quartinha é um pequeno pote, geralmente de barro, no qual de deposita água sagrada, água purificada ao Orixá e fica ao lado do assentamento do Orixá. O barro da quartinha, assim como nosso corpo, "transpira" e por isso que as quartinhas devem ser sempre de barro, pois elas permitem que a água do seu interior evapore, mas deve-se ter um cuidado constante para que a quartinha não seque por completo, pois ela representa um ser vivo e o cuidado que temos com o Orixá. 

   Na África, todas elas eram confeccionadas em barro, as escravas, quando em solo brasileiro, se encantaram, com as porcelanas das sinhazinhas e começaram a utilizar a porcelana, nos assentamentos dos Orixás femininos, porém as quartinhas de porcelana, louça, latão, metal, fazem com que a água fique estagnada o tempo todo e não evapore. Com o passar dos séculos, tradicionalmente ficou estipulado que os Orixás masculinos, possuiriam quartinhas de barro em exceção de Oxalá, tanto Oxalufan e Oxaguiã,poderiam isar quartinhas de porcelana, assim como os Orixás femininos

   A quartinha representa a respiração da divindade, então quando a divindade necessita dessa respiração, há o ciclo de evaporação da água através dos poros do barro. Aos Orixás masculinos são oferecidas quartinhas de barro sem alça, aos Orixás femininos são oferecidos quartinhas normalmente de louça ou mesmo de barro com alça. As quartinhas também são chamadas de Busanguê, Eni, Amoré e outros, dependendo da nação. 

   Colocar quartinha de louça aos pés da divindade, não é uma prática do Candomblé antigo, porque na África não se produz louça. Todos os utensílios ligados ao culto das divindades são feitos na sua maioria de barro, e quando não são feitos de barro, é usado terracota ou argila.

Oxum Karê.


   Oxum nesta fase está ligada na interação de Ode Ibualamo,seu pai, o grande caçador, e sempre o acompanha nas caças pelas selvas. Karê é uma Oxum jovem, também ligada a Logunede, seu meio irmão. Ela usa dois keles, sendo um dourado e azul claro de Oxossi e como detalhe um ofá pequeno, junto com braceletes, idés, búzios…
 

   Come cabra, galinha, coelho, konkém e os pombos são soltos ( como para todas oxuns) Um detalhe importante não só para esta Oxum, mas para todas outras: na hora do ¨Pa¨ são colocadas duas gemas de ovo em seus igbas ( obs. Não dentro ) representado a fertilidade.


   Sua origem: Kare é filha de Yemanjá com Odé Ibualamo, porém antes de se casar com Yemanjá, Ybualamo viveu com Oxum Yponda e deste casamento nasceu Logum Ede, porém existem também outras itã que contam que tanto Oxum Karê como Odé Karê seriam filhos somente de Yemanjá, nascidos de uma jogada errada de um obi.


   Escritores como Benistes, Augras, Bastides… todos concordam que, na origem, apenas os elementos da natureza eram adorados, a água, a terra, a árvore, o fogo… Com o passar dos tempos criou-se a necessidade de se personificar esses elementos e algum ponto da história eles tomaram forma da figura humana. Beniste, em sua mais recente obra: Mitos Yorubas, já no primeiro capítulo narra o seguinte:

No tempo primitivo das origens, o homem via a natureza como um drama único vivido num cenário onde atuavam animais, plantas, vento, água, e todos os demais elementos que formavam a riqueza do Universo. O mundo dos mitos é pleno dessas forças e ações, mesmo sendo elas conflitantes.”


   Na literatura mítica, esses objetos da natureza são apresentados sob a forma humana, falando-se do Elemento Oxum e se nos basearmos que essa seria o elemento água daquele Rio, e se nos levarmos pela Geografia daquele local, então encontraremos 16 cidades diferentes louvando oxum nessas 16 formas. Esse Rio nasce em Oshogbo, onde se louva Oxum de uma forma, a segunda cidade é Opará, onde Oxum é louvada como Yeye Opara e todos os seus mitos e ritos se modificam da primeira, a terceira cidade é Yponda, onde se louva yeye Yponda e assim por diante. Então se nos transportarmos para a origem, veremos que aquele povo de Ijexá não louvaria aquele Rio, mas sim várias partes dele.
 
   O povo que foi trazido para o Brasil a partir de 1750 já trouxe sua crença dividida, isso não ocorreu no Brasil e na formação do Candomblé, não só o povo de Ijexá, mas também os de Ketu, Oyó entre os demais foram respeitados na maneira de louvar seus deuses, sendo assim as várias regiões levaram suas crenças para dentro de uma só casa, aparecendo aqui, essas variações de uma mesma divindade, com o nome de qualidade.

sábado, 16 de novembro de 2013

Documentário: Candomblé - A cidade das mulheres.

Cidade das Mulheres é um filme documentário produzido e dirigido por Lázaro Faria. O argumento e roteiro e trilha sonora (interpretada por Elza Soares) são da escritora paulistana Cléo Martins, a Agbeni Xangô do Ilê Axé Opô Afonjá. O filme, que tem como protagonista Mãe Stella de Oxóssi, a ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, é uma homenagem à antropóloga americana judia Ruth Landes (falecida em 1991) autora de "The city of women" (A Cidade das Mulheres), escrito em 1939, pontuando a vida digna e verdadeira das mulheres de terreiro da Bahia conhecidas por mulheres do partido alto. Foi vencedor, em 2005, do prêmio "Tatu de ouro" e do prêmio BNB.

Documentário: Gisele Omindarewa - Uma francesa no Candomblé.



Direção: Clarice Ehlers Peixoto, 65 min, 2009

Gisèle Cossard Omindarewa, 90 anos, é francesa e mãe de santo no candomblé do Rio de Janeiro. Oriunda da burguesia parisiense, ela vive há muitos anos na Baixada Fluminense. O filme procura reconstituir a sua trajetória através das lembranças de sua infância e juventude, de sua participação na resistência francesa ao lado do pai, de sua vida africana como mulher de diplomata, de sua iniciação no candomblé nos anos 1960 e, principalmente, da sua atuação como mãe de santo no terreiro de Santa Cruz da Serra. São momentos de sua história individual que se cruzam com a vida coletiva e religiosa.

Prêmios:

Melhor documentário no III Festival de Filme Etnográfico do Recife (2011).
Melhor edição no BAFF-Bahia Afro Film Festival (2011).
Convidado a participar do 13° Festival de Cinema Brasileiro em Paris (2011).

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Acaçá.


       As definições mais elementares do acaçá, dizem que se trata de uma pasta de milho branco ralado ou moído, envolvida ainda quente, em folha de bananeiras. A definição é correta, mas extremamente superficial, já que o acaçá é de longe a comida mais importante do candomblé. Seu preparo e forma de utilização nos rituais de oferendas envolvem preceitos e bem rígidos, que nunca podem deixar de ser observados. Todos os Orixás, de Exú a Oxalá, recebem acaçá. Todas as cerimonias, do ebó mais simples aos sacrifícios de animais, levam acaçá. Em rituais de iniciação, de passagem, em tudo mais que ocorra em uma casa de candomblé, só acontece com a presença de acaçá. A pasta branca à base de milho branco, chama-se eco (èko), depois de envolvida na folha de bananeira, aí sim, será acaçá. O acaçá é um corpo, símbolo de um ser. A única oferenda que restitui e redistribui o axé. O acaçá remete ao maior significado que a vida pode ter: a própria vida; e por ser o grande elemento apaziguador, que arranca a morte, a doença, a pobreza e outras mazelas do seio da vida, tornou-se a comida e predileção de todos os Orixás.

   Nem todas as palavras do mundo são suficientes para decifrar o valor de um acaçá. Basta admitir que os segredos estão nas coisas mais simples para ver que muitos julgaram insignificantes, a comida mais importante do candomblé, banalizando o sagrado e privilegiando a intuição em deterimento do fundamento. Fato é que quem não faz um bom acaçá, não pode ser considerado um bom conhecedor de candomblé; pois, as regras e diretrizes da religião dos Orixás nunca foram ditadas pela intuição. Constituem grandes fundamentos "cristalizados" ao longo de anos e anos de tradição.

   Aqui o grande fundamento é que o sangue dos animais jamais pode jorrar sobre os igbás sem a presença do elemento pacificador, pois, o acaçá simboliza a paz. Quando ofertado e retirado do seu invólucro verde, tornando-se a comida de Oxalá que agrada a todos os orixás, a primeira oferenda que deve ser colocada diretamente no assentamento, juntamente com o obi e a água, antes de qualquer sacrifício. O acaçá deve permanecer fechado,imaculado até o momento de ser entregue ao Orixá, só então é retirado da folha. É como se o sagrado tivesse que ficar oculto até a hora da oferenda, prova de que o segredo é quase sempre um elemento consagrado.