Desde que Iemanjá assumiu no Brasil o reino das águas
salgadas, transformando-se na padroeira da pesca e protetora dos pescadores,
iniciou-se seu culto no mar. Vale lembrar que os adeptos do candomblé, religião
que mantém estreito contato com a natureza, costumam levar presentes e
oferendas a cada orixá no seu “meio natural”. Assim, presentes a Exu são
depositados nas encruzilhadas; a Oxum, nos rios, fontes e cachoeiras; a Oxóssi
e Ossaim, no mato; a Xangô, nunca pedreira; a Ogum, na estrada, especialmente a
estrada de ferro, que contém o elemento caminho e o elemento ferro; a Iemanjá,
evidentemente, na praia e no mar.
Hoje em dia, seguindo o calendário católico, que marca dias
comemorativos de Nossa Senhora, as festas de Iemanjá ocupam as praias
brasileiras, em datas diferentes, pois em cada região Iemanjá foi sincretizada
com uma diferente invocação de Nossa Senhora, geralmente aquela mais cultuada.
A festa do Rio Vermelho em Salvador, a 2 de fevereiro, é a
mais antiga festa documentada, já referida por Nina Rodrigues em 1896, quando
descreve o presente de Iemanjá sendo levado às águas na praia do Rio Vermelho e
no dique do Tororó pelas filhas-de-santo, negras e mulatas, em pequenos barcos
de pescadores, em ruidosa procissão (Rodrigues, 1935:52-53). Em Salvador, a
festa de Iemanjá faz parte de um ciclo de “festas de largo”, celebrações públicas,
marcados pelo entrecruzamento de tradições católicas e africanas, em que os
ritos do catolicismo misturam-se com os dos terreiros, com muita música, dança,
bebida e comida. Sempre com muita gente na rua. A festa de Iemanjá encerra um
ciclo de festas em Salvador, que se inicia em 4 de dezembro com a festa de
Santa Bárbara (Iansã). Após a festa de Iansã, os baianos realizam em 8 de
dezembro a festa em louvor a Nossa Senhora da Conceição da Praia, sincretizada
com o orixá Oxum. Na terceira quinta-feira do mês de janeiro ocorre a festa da
lavagem do Bonfim, que juntamente com a festa de Iemanjá, é uma das mais
importantes festas religiosas da Bahia.
Sobre o presente de Iemanjá, assim nos conta Edison
Carneiro, em seu livro Candomblés da Bahia, cuja primeira edição é de 1948:
“é o orixá mais poderoso ‘do fundo do Calunga’ (o mar) e é
no mar, e em geral nas águas, que se exerce o
seu culto. Os devotos lhe dão
presentes, embrulhos, cestos ou vasos contendo flores, pó-de-arroz, pentes, sabonetes,
vidros de perfume, espelhos, laços de fita, etc., que levam para um lugar bem
fundo do mar ou para onde as águas se encontrem. Se não afundar, o presente não
será aceito. Destas homenagens, em toda a baía de Todos os Santos, participam
brancos, mulatos e negros, pescadores, marinheiros, carregadores dos portos,
artífices, homens do povo.”
No Recife, quando se oferece o presente no dia de Nossa
Senhora da Conceição, em 8 de dezembro, as comemorações também são antigas e
festivas, falando alguns autores da data correspondente à festa de Nossa
Senhora do Carmo em outros tempos. Sobre a comemoração nos 50 anos, Waldemar
Valente escreveu:
“Iemanjá em Pernambuco é considerada como a “mãe d’água” e
recebe, como na Bahia, o seu presente, numa procissão anual. Geralmente, o
presente é guardado e conduzido dentro de grande panela de barro e consta de
comida – a comida de sua preferência -, pulseiras, colares, broches, contas,
vidros de perfume e até dinheiro. A chamada “panela de Iemanjá” é embrulhada
com papel azul e amarrada com fita da mesma cor.”
“a procissão marinha, constituída de pequenas lanchas,
faz-se principalmente por iniciativa de Lídia Alves da Silva, uma das mães-de-santo
mais conhecidas e conceituadas no Recife. E arrasta muita gente. Gente de
outros xangôs. Gente pobre e crédula, que não pertence à religião dos
terreiros, mas que oferece à deusa do mar seu presentinho, uma caixa de
sabonetes ou de pó-de-arroz, na esperança de conseguir a realização de seus
desejos, às vezes tão modestos. Gente ainda de escalas sociais mais altas, o
próprio grã-finismo, e que não consegue vencer velhas influências místicas,
reúne-se à peregrinação do fetichismo negro, que também é ameríndio e europeu,
e vai em busca do mar, para levar a Iemanjá as suas ricas oferendas, e em troca
fazer algum pedido. O cortejo de lanchas atravessa a barra e lá, muito longe,
onde deve estar a deusa do mar, realiza-se a cerimônia de oferendas. Velas,
flores, presentes, ornamentação, tudo confere aos barcos um ar festivo e
bonito. Os que não podem participar da procissão em lancha ficam mesmo no cais
ou nas praias.”
Devido sobretudo à expansão da umbanda, as festas de Iemanjá
nas praias hoje acontecem ao longo de toda a costa brasileira, assim como em
cidades litorâneas do Uruguai e da Argentina. Nestas cidades vamos encontrar
alguma estátua de Iemanjá erguida por e/ou do poder público municipal.
Há estátuas que seguem a forma de Iemanjá-Sereia, como aquelas encontradas em
diversos pontos de Salvador, ou Iemanjá da umbanda: uma mulher branca, de
longos cabelos lisos e roupa azul. Mesmo quando não há mar por perto, a festa
de Iemanjá pode ser celebrada, com estátua e tudo, como ocorre em Brasília junto
ao lago Paranoá.
iniciativa de federações de umbanda e
candomblé
No Rio Grande do Sul, especialmente nas praias de Cidreira e
Tramandaí, litoral norte do estado, a festa também se faz em 2 de fevereiro,
quando se comemora regionalmente Nossa Senhora dos Navegantes, dia feriado em Porto
Alegre e outras cidades gaúchas.
Além das festas de 2 de fevereiro e 8 de dezembro, e outras
datas regionais, Iemanjá é louvada numa grande festa à beira-mar na passagem do
ano, em 31 de dezembro, com milhares e milhares de pessoas, sempre vestidas de
branco, sejam elas devotas ou não das religiões afro-brasileiras, levando
velas, flores, perfumes, comidas e fogos de artifício para a grande mãe,
confundindo-se a celebração de Iemanjá com o próprio Réveillon.
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