quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Erê.

Texto retirado do Livro “O candomblé bem explicado” de Odé kileuy & Vera de Oxaguiã.
 
O Erê é a divindade infantil que todos os iniciados possuem. Seu nome deriva do termo ioruba asiwere, que possui o significado de louco ou maluco. Estas palavras, entretanto, precisam ter uma interpretação mais amena porque se referem tão-somente ao comportamento de crianças de pouca idade. Para estas, por não terem compreensão ou entendimento do mundo que as cerca, não há obstáculos físicos ou psicológicos que as detenham perante o que desejam realizar. Com os Erês ocorre exatamente o mesmo, e eles são igualmente impulsivos e destemidos. Não existem barreiras para eles! Por isso, não podem ficar sozinhos ou em grupos sem ter uma pessoa que respeitem e que os vigie e controle. Necessitam estar sempre acompanhados por equedes, ogãs, ebômis, mães-pequenas, pais-pequenos ou outras autoridades em eterna vigilância, para que não façam coisas que venham a prejudicar fisicamente as pessoas que os incorporam e os demais participantes. Uma casa não pode ser entregue para que crianças cuidem dela!

   Os Erês são divindades que precisam ser doutrinadas e ensinadas, mas sem muitas restrições, porque isso pode trazer revolta e até mesmo insubordinação. Sua liberdade não deve ser cercada, só vigiada, para deixa-los agir e sentir subliminarmente que seu descontrole faz parte da sua tenra idade.

Unidos aos orixás, estes se tornam companheiros e amigos eternos e divinizados, passando a fazer parte do grupo dos inrumolés. São participantes do tripé que pluraliza a consagração do iniciado dentro da religião, onde há a ligação do Orixá-Exu-Erê. Podemos dizer que o Erê está presente em tudo que existe no aiê, pois ele é uma das partículas que formam o todo do universo. Sem Erê e Ibeji o mundo não teria continuidade; eles representam a energia, a vitalidade e a evolução de tudo que se inicia!

   É por intervenção do Erê que o orixá se torna mais brando, ameno e amigo – e também mais próximo do iaô -, na sua iniciação. Para estes “pequenos seres” não existem regras e tabus que não possam ser derrubados! Sendo assim, fazem coisas que o iaô precisa, e gostaria de fazer, mas que seu comportamento e sua personalidade não permitem. Muitas vezes o Erê fica presente durante dias, não deixando que o iniciado sinta a passagem do tempo, isto também possibilita ao orí do iaô relaxar, acalmar-se e ficar receptivo para tornar-se a morada perfeita para o seu orixá. É costume que o Erê também aprenda a dançar, a cantar, a rezar. Até na hora das refeições o Erê é fundamental, pois aceita, sem reclamar, todo tipo de comida, o que não ocorre com alguns iniciados mais seletivos, mais exigentes e menos compreensivos. Mas é necessário muito cuidado com eles, porque costumam ser fujões e consegue enganar quem cuida deles. Se conseguirem ir par a rua, andam sem destino e fazem mil estripulias! Em compensação, eles divertem e distraem as pessoas, pois gostam de cantar, brincar, pular, virar cambalhotas, fazer versinhos e outras brincadeiras infantis. Alguns porém, são também individualistas, egoístas, brigões. Como crianças que são, repetem tudo que escutam e, se lhes ensinam palavras de baixo calão, irão repeti-las! É preciso cuidado com o que se fala perto de um Erê! Não se deve extrapolar no comportamento, porque tudo lhes serve de exemplo. Eles adoram fazer pactos de ajuda, pensando somente em usufruir de alguma coisa. Então, é preciso que se coloquem parâmetros em tudo que eles pedem e naquilo que o homem lhes promete, pois não têm limites e, o pior, não esquecem as promessas!  

   Alguns Erês gostam de inventar cantigas para chama-los. Eles têm hora para chegar, mas não para ir embora, e não gostam de ser mandados de volta ao orum! Muitas vezes é necessário recorrer a uma autoridade ou ao toque do adarrum, para fazer com que estas criaturinhas possam ir embora.
Cada Erê tem seu nome particularizado, de acordo com as especificações de cada orixá. Aqueles dedicados a Xangô podem se chamar Trovãozinho, Corisco; os de Iemanjá, Estrelinha, Conchinha; os de Oxalá, Florzinha Branca, Nuvenzinha, Algodãozinho, Fitinha Branca e assim por diante. Outros poderão ter um nome de origem ioruba. Costumam vestir-se e seguir características do orixá do iniciado e possuem igbá particularizado. Este é arrumado com elementos do mundo infantil, como bolas de gude, enfeites, bonecas etc., e geralmente fica próximo ao igbá do orixá.

   Os ogãs e as equedes não possuem Erês, mas prestigiam suas festas e não deixam de cultuar estes eternos conselheiros e protetores!
Uma de suas prerrogativas é servir de elo entre os homens e os orixás, levando os pedidos e trazendo as ordens e as resoluções, tornando-se o guardião e o intercessor do homem junto às divindades. O Erê não é o escravo ou o bobo-da-corte dos orixás, ele tem certa autonomia para realizar ou não os desejos e os mandos dos orixás. Dizem os antigos que, quando o Erê determina, divindade nenhuma desfaz, porque este, mesmo sendo uma divindade infantil tem muita sabedoria. Muitas vezes ele desconstrói o que o orixá faz, não como afronta, mas sim numa forma de poder ajudar melhor ao ser humano.

   Liga-se com exu, através do movimento e da energia, e juntos são o
transmissor e o receptor das informações do aiê com o orum. Entretanto, os Erês possuem a função de informantes particularizados, permanecendo entre o homem e seu orixá. Eles fazem também a representação do orixá Ibeji na vida das pessoas e agem na evolução e no crescimento, dinamizando, revigorando e fortalecendo a existência dos seres humanos. Apesar de todos estes predicados, não são todas as casas de candomblé que louvam e realizam festas para os Erês. Muitas os consideram de menor importância que os demais orixás. Estas cometem um erro, pois são eles que trazem a inovação e a renovação do Axé da casa. Alguns iniciados costumam se esconder quando sabem que estas divindades estão “na casa”, sentindo até mesmo uma certa aflição do que esta visita poderá provocar em todos!
Atualmente, nas festas de Erê ou para o orixá Ibeji, temos bolos, doces, frutas, refrigerantes, enfeites. No passado, esta festividade só oferecia o caruru, comida favorita destas divindades, e o aruá, bebida fermentada preparada para os rituais. As casas de candomblé passaram a modificar estas festas pelo intercâmbio com a umbanda que, sincretizando S. Cosme e S. Damião, realiza grandes festas nesta época. O candomblé assimilou este simbolismo e transformou a festa dos Erês em festividades com motivos bem infantis. As frutas, para o povo do candomblé, simbolizam prosperidade e fartura, e os doces, a alegria, a união e o bem-estar, tendo por isso sido bem aceitos. Mas o caruru, o aruá e outras comidas africanas, como vatapá, xinxim, carajé, acaçá e acaçá-de-leite, não podem faltar, porque são heranças e ensinamentos de nossos ancestrais iorubas, fons e bantus.
 
   Nestas festas, alguns Erês têm o costume de dar de presente ás pessoas chupetas, bolas, carrinhos, apitos e até mesmo doces ou frutas. Estes objetos devem ser guardados, ou consumidos com muita fé, porque trazem o axé da divindade e são dados com alguma finalidade. Desgostar ou desdenhar de Erê é pior do que fazer um agravo a Exu! Diz um ditado: “Deva a Exu, nunca a Erê!”; uma grande verdade!

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